POESIA
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair,
mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Carlos Drummond de Andrade (Obra Poética)
A secreta verdade do homem sobre si mesmo
A poesia permite o desenvolvimento da sensibilidade afetiva, relacional e social. Constitui a única linguagem que pode revelar o que cada um é e o papel que representa na sociedade, porque tem a capacidade de traduzir a secreta verdade do homem sobre si mesmo, o seu mundo e a natureza. Este facto é suscetível de contribuir para a formação do espírito crítico do ser humano, ajudando a um melhor entendimento da realidade.
Ela torna o ser humano mais sensível, entendendo por sensibilidade a capacidade especial para perceber e sentir a música, a arte, a beleza… até chegar a descobrir a magia que determinadas palavras encerram em si mesmas e quando se deixam acariciar pelos outros.
De acordo com P. H. Piqueras, (“La poesía se fue del aula, pero vuelve”. Revista de Literatura, Primeras Notícias, p. 86), os alunos definem e concebem a poesia como uma maneira de expressar sentimentos e pensamentos. «Sugere-lhes vozes que chegam da alma. Simbolizam-na como a água que corre. E pensam que ao seu redor há poesia, porque há vida e amor.»
A poesia inunda a vida inteira
Neste contexto, Piqueras esboça um conjunto de razões que justificam a necessidade da poesia:
- a primeira é o antipagmatismo, porque é comunicação que gera a tolerância e a liberdade; e enriquece as possibilidades expressivas, estimulando nos alunos a reflexão, a invenção e a criação;
- a segunda razão é a antibarbárie, porque traz à luz o mais nobre do ser humano, descobre a ternura de que o Homem atual precisa. É uma linguagem especial que só a pessoa sensível pode intuir e descobrir;
- a terceira razão é a necessidade de fazer sair a poesia do cárcere de silêncio a que a votaram;
- a quarta razão é o seu carácter democrático, porque é de todos e para todos.
No mesmo sentido aponta K. Matsuura que, na mensagem do Dia Mundial da Poesia de 2003 (“Amar la poesía para amar a los otros”. Revista de Literatura, 198, 39) é um instrumento essencial de aproximação entre os povos, que nos ajuda a conviver e é indispensável para o diálogo entre as culturas e a relação harmoniosa entre os povos.
Um poder criativo
Martine Boncourt, no livro de 2007, La poésie à l’école – L’indispensable superflu, sustenta, ao refletir sobre a violência na escola, que a poesia, na medida em que é e se constitui como um poder criativo, suprime a situação de frustração resultante do não reconhecimento. Então, sublima as tensões violentas naturais, confere-lhes formas morais e sociais aceitáveis e, sobretudo, permite ao aluno confrontar-se com a violência no plano simbólico e ultrapassá-la. Não serve para nada, mas não a podemos disprensar!
O poeta espanhol António A. Gómez Yebra diz-nos que:
A poesia torna-nos mais ternos, mais sãos, mais afetuosos, mais atentos aos problemas que nos rodeiam, mais abertos aos outros e também mais respeitadores deste planeta que temos entre mãos. A poesia (…) é o sal da Terra, o mel, e, às vezes, saudável tintura, tão necessária para sarar as feridas.
A poesia inunda a vida inteira?
João Manuel Ribeiro